terça-feira, 13 de outubro de 2009

UMA LUZ NO FIM DO TUBO

É esse título que dá nome ao filme de Antônio Zanella, jornalista, e que conta a história de Elias Diel, 35 anos, que ficou cego em consequência de um acidente de carro tendo então, que reestruturar sua vida em função das novas necessidades. "Figue", como Elias é conhecido, era um promissor surfista na década de 80, quando aos 16 anos, sofreu a fatalidade. Hoje Figue é professor de ioga, voltou a surfar, e Zanella consegue através das imagens e depoimentos de amigos e do próprio "Figue" nos passar o quanto somos limitados dentro da nossa suposta "normalidade". Não curto o termo deficiência, depois de ver a história de "Figue" talvez entenda o quão deficiente é que somos nós.

O filme é resultado do trabalho de conclusão do curso de jornalismo de Zanella e ganhou este ano o prêmio de mlhor roteiro no Festival de Cinema de Aventura e Turismo em Socorro, São Paulo. Entramos em contato com Zanella por e-mail enviando umas perguntinhas básicas, e o resultado está logo abaixo. Bem, deixo o Zanella falar por si, e na sequência seguem as partes 1 e 2 de "Uma luz no fim do tubo", que fala mais que qualquer comentário.

1 - Como surgiu a idéia de fazer o filme?

Eu precisava definir um tema para meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O veículo eu já sabia que era vídeo, pois trabalho desde os 17 anos com filmagens e edição de surf. Procuro dizer que quando fazemos algo que realmente gostamos o produto fica 200% melhor porque o envolvimento e dedicação são maiores. E assim defini a prioridade: surf. Queria mostrar à sociedade - que sempre relacionou o surf com um esporte de maconheiro e vagabundo - exemplos de reabilatações sociais.

Nasci com 4% da visão esquerda e após muita cirurgias consegui recuperar toda a minha visão. Sofri muito na infância com brincadeiras e piadas, e a partir dali comecei a idolatrar ainda mais os deficientes visuais. Pesquisei se havia algum surfista cego ou trabalhos que explorassem isso até que fiquei sabendo de voluntários na Praia da Atalia que davam aulas para deficientes visuais, os quais pegavam espuma e tal mas mesmo assim fiquei empolgadasso e marquei um horário com um dos voluntários, num domingo. Sábado rolou umas ondas em Balneário e antecipei minha ida para lá. Estava rolando as famosas direitas no Maramba e quando surfávamos, meu irmão ouviu um cara (Claudião - irmão do Figue) instruir o Figue, ficou curioso e foi perguntar o porquê daquilo. Fiquei fascinado e a cada dia me impressionava mais com a sua história e as aventuras nas escaladas, rafting, jiu-jitsu, instrumentos musicais, etc...

Depois de muita conversa e mostrando minha honestidade e meu verdadeiro objetivo, Figue topou gravar. Hoje, somos da mesma família, o pai dele me trata como filho e cada segundo junto é um empurrãozinho na vida. Fiquei imaginando um nome ideal ao filme muito tempo. Assim como o resto do roteiro, músicas e idéias para o documentário, minhas imaginações e inspiração sempre eram surfando ou no outside esperando a série. Procurava alguma coisa que traduzisse o Figue: tubo, onda, aventura, esperança, etc. Pensei em "Um novo olhar sob a crista da onda", ficou meio grande não gostei então o Cláudião e seu instinto publicitário: "P...! Não tinhas falado que o Figue era uma luz no fim do túnel para muitos? Que tal "uma luz no fim do tubo" já que o Figão só pensa em tubo aí junta tudo, pô!".

2 - Como foi o processo de criação?

Primeiro de tudo foi pesquisar a história do Figue e os personagens da vida dele. Falando com ele e com a família fui definindo as fontes e as estratégias de entrevista. Tinha que priorizar o pessoal que não era daqui ou não moravam aqui em SC, como surfistas profissionais, amigos e médico. Na medida em que eles vinham para cá competir ou trabalhar eu pegava meu equipamento e corria atrás para gravar. Foi assim no WCT em Imbituba, inúmeras idas para Balneário Camboriú, Itajaí e região. Consegui entrevistar o médico que atendeu o Figue no dia do acidente (há 20 anos) no plantão do hospital, um dos maiores mestres mundiais do Yoga, Gustavo Ponce, e aí por diante.

Fiz tudo sozinho. Tudo que tu imaginas. A única coisa feita por outras pessoas foi uma imagem minha saindo com o Figue da água - feita pelo meu irmão - e a trilha principal ( "Uma luz no fim do tubo") feita pelo Pedro Collaço. O mais engraçado nesse processo foi a minha decupagem. Como não tinha muito tempo (fazia 9 matérias na faculdade divididas nos dois turno e ainda trabalhava à tarde) quando voltava das viagens depois de gravar eu colocava o fone na câmera e ia decupando o material no trajeto. Levei várias buzinadas, é claro, mas já matava essa função. Determinei que iria entrevistas todas as fontes primeiro, faria as imagens de surf de acordo com a disponibilidade do Figue e das condições do mar e tempo e deixaria por último a entrevista com o Figue. Foi aí que quase acabou meu trabalho (como conto a seguir).

3 - Quais dificuldades você encontrou tanto para fazer quanto para distribuir?

Estava já tudo gravado e começando a edição. No final de outubro o Figue pegou uma pneumonia bacteriana e ficou quase dois meses na UTI em coma enduzido. Foram semanas de apreensão e fé da família e amigos. Fiquei numa situação meio chata porque ao mesmo tempo que já era da família e um amigo eu precisava terminar meu trabalho. Então, fui editando tudo e deixando espaços para a entrevista do Figue.

Um dia antes do prazo para entrega do documentário na banca o Figue foi começando a respirar sem ajuda de aparelhos e à noite foi para o quarto. Peguei meus equipamentos e fui para Balneário correndo na cara de pau - e com autorização da família - gravar com ele. Foi bem no dia das enchentes, fiquei ilhado em Tijucas e em Itajaí mas consegui chegar no hospital antes do Figue dormir. Não só gravei como no outro dia fui para Santos em um evento de inclusão social da Globo representar o Figue. No hotel editei sua entrevista, finalizei e botei para gravar o dvd. Fui recompensado com o sorriso e emoção de todos ao verem em primeira mão o documentário.
Quanto à distribuição é o mais sofrido para as produções independentes como a minha. Devo ter gastado mais de R$ 1000 reais com impressões, mídias e estojos. Distribuo para amigos, familiares ou pessoas estratégicas. Sei que deu resultado e em menos de um ano muita gente já viu ou tem o dvd.

O que me ajudou muito foi o youtube. Impressionante mesmo. Coloquei o vídeo e em menos de uma semana mais de duas mil pessoas viram. Organizações de festivais, galera do surf e empresas. Uma delas me convidou para conhecer a empresa em São Paulo e estamos negociando com eles um patrocínio.

4 - Como tem sido a repercussão do documentário?

Cara isso é o mais animal.. Eu só queria acabar logo, apresentar e ir embora. Quando a banca me deu dois 9,5 e um 7, essa nota mais baixa me deixou tão para baixo e com sentimento de dever não cumprido porque tinha visto tanta porcaria em 4 anos de faculdade com nota máxima. Meio que engavetei o projeto e só mostrava a amigos, mas via nos olhos de quem assistia uma emoção que me arrepiava e pensei: "Pô, não posso parar por aqui tenho que levar essa mensagem à todos.".

Foi então que surgiu o convite para ir a Santos representar o Figue (estava no hospital com pneumonia) no 5º Paratodos, novembro de 2008. Ali recebi um carinho enorme de famosos à anônimos que vi que aquela nota baixa da banca era pura implicação de uma professora que não gostava de surfistas e muito menos aceitava eu ir surfar à tarde e chegar na prova tirando nota alta. Aí começou a maratona: Finalista Prêmio Unimed-SC 2009 – 2º Lugar Categoria TV, Finalista Mostra Puc Rio de Janeiro/RJ - 2009, Mostra Paralela Gramado Cine Vídeo - 2009, Mostra Paralela Festival Brasileiro Curtas Universitários - Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP - 2009 e Finalista no Festival de Cinema de Aventura e Turismo - Socorro/SP – 2009, onde entre feras do ramo e filmes milionários ganhei na categoria “Melhor Roteiro”.

A reação do público foi o que mais me chocou com certeza, cara. Ver nos olhos das pessoas, receber um abraço ou um elogio não tem preço. Um dia estava surfando na Joaca aí chegou um gurizão que tínhamos rolo nas antigas (coisa de colégio, mulher, etc) e me falou: "Po não gostava de ti mas depois que vi o que fizesse peço desculpa por tudo e agradeço a mensagem que tais passando para a gente". No WCT desse ano o Neco também me deixou bem feliz: "Antonio, chorei do início ao fim e fui dormir chorando. Lindo, lindo, lindo!". E no dia Neco passou duas baterias.

Mas o que mais me marcou foi uma senhora - aparentava uns 80 anos - em Santos. Logo que sai do palco na apresentação ela me puxou no canto, chorando me abraçou e disse: "Filho, você me fez viver. Hoje ainda fui na padaria reclamando de dor no meu joelho, dos meus calos, cheguei a falar que não sairia mais de casa por dor. Me fizesse enxergar que dor seria se eu desistisse de comprar meu pão assim como o Figue não desistiu de surfar".

5 - Como você ve a produção independente no Brasil?

Vergonhosa mas vem melhorando muito. É uma questão que não vai se resolver de um dia para o outro com uma fórmula mágica mas poderia começar a ser repensada e partir de cada região. Nosso estado, sem dúvida, é o pior do Brasil em relação à apoio do governo e empresas. Fui na PUC do Rio de Janeiro em um festival que fomos finalista e vi o quanto a cidade e o estado valorizam as produções independentes, cinema, teatro, etc. Não precisa ir tão longe, basta entrar no Kinoforum e ver que somos o único estado que não tem leis de incentivo iguais às outras.

Mas é claro que não vou ficar sentado esperando por ajuda. E é isso que eu recomendo. Hoje você pode filmar com inúmeros equipamentos, qualquer computador tem um programa de edição gratuito e com manual fácil de entender. É assim que se começa até porque foi assim que eu comecei. Não desista dos seus sonhos e faça o que goste, o que dê prazer. Como envolvia surf e imagem foi uma coisa que fiz do fundo do coração com maior prazer e hoje sinto o gostinho de "quero mais".

6 - E agora? Pretende continuar trabalhando com produção audiovisual? Tem algum novo projeto em vista?

Vou te falar que andava meio indeciso e muito desanimado. Me desiludi muito com o mercado e comecei outra graduação - Direito - contra vontade própria. Sei que um curso vai agregar a outro e vice-versa mas minha paixão é o jornalismo, ainda tenho esperanças de seguir carreira como jornalista.

Esse fim de semana (festival em Socorro) conheci muita gente boa e querida da área de cinema que me botou para cima elogiando o documentário e me guiando para outros caminhos os quais não fazia idéia. Estou pesquisando sobre as leis de incentivo porque tenho em mente fazer outros documentários sobre surfistas deficientes e pretendo ainda escrever um livro sobre o Figue, já que foquei apenas no surf deixando de lado suas escaladas, aventuras no rafting, jiu jitsu, etc.
Abandonar a área audiovisual, jamais! Não tem preço você apertar play num filme seu com a sala lotada e ver o sorriso e a emoção nos olhos da galera. É o meu combustível diário para não desistir de um ramo abandonado por empresas e autoridades.






                                                                                                                         por Dani Pacheco

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